segunda-feira, 21 de março de 2011

São Lourenço do Sul

Dez de março de dois mil e onze

Hoje é o começo de semana mais diferente de todos da minha vida, é tudo novo, mesmo sendo igual. Alguns dias depois da catástrofe que transformou a nossa cidade. Depois da maioria das famílias terem voltado para as suas casas e estarem aos poucos tentando reconstruir as vidas. Hoje é dia de relembrar, de ouvir os relatos dos colegas que se reencontraram e que passaram por situações parecidas e amedrontantes. Hoje é dia de começar a agradecer todo apoio que as outras pessoas deram, as pessoas que acolheram e que souberam abraçar em silencio, para tentar curar aquela dor. Depois de andar por dentro da casa e ver que fotos de infância guardadas com carinho e cuidado, roupinhas de bebê de três gerações, o primeiro sapatinho, a almofadinha da porta do quarto do hospital, bonecas e brinquedos, quinquilharias cuidadosamente resgatadas das etapas da vida. Agendas, livros e diários, caixas de cartas nunca entregues, presentes comprados e guardados como o mais sigiloso segredo. Segredos escondidos que foram revelados e não sofreram nenhum tipo de julgamento, tudo era compreensível naquela hora. Um único sorriso na hora da salvação de um anel de 15 anos, não pelo valor, mas sim pela importância, a lembrança do dia, do acontecimento. A lágrima que caiu sem nenhum esforço depois que uma foto guardada a sete chaves foi encontrada na quadra seguinte, naquela hora, as pessoas não estavam tão preocupadas com as casas mas sim com a importância da história de cada um. Hoje é dia de refletir sobre tudo que foi dito e foi prometido, e dia de perceber que quem me prometeu que tudo ia se ajeitar, confiava em mim, e sabia que eu seria forte e encontraria coragem em algum lugar para ajudar e para reconstruir. Depois do barro e da tristeza vem a solidariedade, recuperei minhas coisas, ‘organizei’ minha casa, e fui ‘ajudar’, ajudar quem perdeu mais do que eu, ajudar quem não foi abraçado, quem não foi acolhido, ajudar aquele que não encontrou força e nem coragem, e talvez isso tenha me ajudado ainda mais. Hoje é dia de unir-se ao outro, ao vizinho, ou morador da rua de traz, ao pescador, pedreiro, hoje é dia de toda a população unir-se ainda mais, temos uma cidade precisando de ajuda. Depois do susto, das perdas, das lágrimas e da dor, e hora de curar e sarar a beleza de nossa cidade, reorganizar ruas, árvores e toda uma estrutura a tão pouco concluída. Hoje é dia de recomeçar. Depois de todos estes dias, a única coisa que ainda acredito, é em uma frase de um poema, que diz: ‘Há coisas que tem valor, outras só tem preço’. 

Emanuelle Freitas

Um comentário:

  1. Nossa, o mais lindo, o mais triste, o mais verdadeiro depoimento que li a respeito dos tristes dias que vive São Léo..Melhor seria nunca precisares ter escrito, mas já que assim foi, fez com maestria.. Que a dor do momento seja a base das alegrias futuras. Abraço!
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    Ah, estamos querendo realizar um encontro de blogueiros aqui em Camaquã, se estiveres afim, entre em contato: leandromartinsy2004@hotmail.com

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